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17/02/2010

Meu primeiro Artico Científico

ANÁLISE PSICOLÓGICA DE CAPITU,PERSONAGEM DE MACHADO DE ASSIS


Resumo: Este artigo apresenta uma nova maneira de ler e interpretar a obra de Machado de Assis - Dom Casmurro - que enfatiza uma das maiores características literárias: análise psicológica dos personagens e principalmente das mulheres. Esse texto tem como objetivo de fazer com que o leitor faça uma interpretação mais profunda das obras literárias.
Palavras chaves: Literatura, Machado de Assis, Dom Casmurro, análise psicológica.

Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer. (Machado de Assis)




Ao ouvir falar em Dom Casmurro, lembramos do foco mais enfatizado: a dúvida quanto a uma traição no casamento e a lealdade de um amigo. Porém, um fato muito detalhado que Machado de Assis faz em sua obra é uma análise profunda de Capitolina, a amada do personagem principal, Bento Santiago.
Durante sua infância, Bento foi criado na Rua de Matacavalos com sua mãe Dona Glória, viúva; José Dias, o agregado; Tio Cosme, advogado e viúvo; e prima Justina (viúva). Ao lado estava uma vizinha que conviveu como “irmã-namorada" dele, Capitolina - a Capitu. Com o tempo de convivência, das brincadeiras como a de fazer missas, a família do menino começou a perceber uma aproximação muito grande entre eles e deduziram que poderiam estar de namorico pelos cantos. É então a partir desse momento que ele começa a fazer uma análise de si e conclui que estava apaixonado por ela e que Capitu também tinha os mesmos sentimentos.


Naquele instante, a eterna Verdade não valeria mais que ele, nem a eterna Bondade, nem as demais Virtudes eternas. Eu amava Capitu! Capitu amava-me! E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas e crentes de abarcar o mundo (ASSIS, 1996:19)


Com essa descoberta, o narrador começa a detalhar as ações e os possíveis sentimentos de Capitu, que mesmo com catorze anos de idade, mostra uma sensualidade que confirma a ideia de Bentinho de que ambos se amam e que ele não deve ir para o seminário como é o desejo de sua mãe.
O capitulo 16 - A inscrição- mostra-nos como o relacionamento dos dois acrescenta aspectos mais íntimos e a saída da infância para a adolescência onde a brincadeira de criança não será o maior ligamento, mas sim o sentimento de amor. Capitu estava escrevendo no muro até que Bento chega e vê o que ela escreve: “Bento e Capitolina”. Então, ambos ficam em silêncio e deixam o corpo falar por si só.


Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas as quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se. [...] Os olhos fitavam-se e desfitavam-se e, depois de vagarem ao perto, tornavam a meter-se uns pelos outros [...]. Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam o coração caladas como vinham... (ASSIS, 1996:22).


Nesse trecho do conto, ele enfoca a troca de olhares entre o casal, algo que é muito usado nessa obra e que mais tarde intriga Bento e o leitor.
Uma das fortes características dos narradores machadianos é de fazer uma análise psicológica de seus personagens e principalmente das mulheres. Nessa obra, o autor descreve detalhadamente Capitolina pelas suas ações, como as curiosidades estranhas para uma menina da sua idade que queria saber tudo e o porquê das coisas. Também que ora dava certeza que amava Bento ora dava impressão que ela queria brincar com os sentimentos dele.



Capitu não parecia crer nem descrever nem descrer, não parecia sequer ouvir; era uma figura de pau. Quis chama - lá, sacudi - lá, mas faltou-me ânimo. Essa criatura que brincara comigo, que pulara, dançara, creio que dormira comigo, deixava-me agora com os braços atados e medrosos (ASSIS, 1996:27).


José Dias uma vez disse a Bentinho que Capitu tinha “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Essa é uma marca que a moça tem como característica principal. Como ela fazia um jogo de sedução, mesmo sendo tão nova, faz com que deixe tanto seu admirador e os leitores confusos. Seus olhos se tornam alvo de um julgamento psicológico, que depois que o apaixonado repara é repetidamente citado na obra.


Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluído misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca (ASSIS, 1996: 51).



Capitolina, além de ter seu jogo se sedução, mexia com o psicológico dos que estavam a sua volta. Ela tinha alternâncias de humor repentinamente e manipulava principalmente Bentinho, já que ele declarara seu amor e estava entregue a esse sentimento. A jovem desafia seu amado a escolher entre ela e a mãe dele, para ver a quem ele teria mais adoração. E já que na adolescência os sentimentos recém descobertos, como o do amor na questão de namoro, prevalecem mais do que os antigos (como o amor pela mãe), Bento diz que prefere desobedecer à mãe a deixar de ver Capitu: Se você pudesse escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolhia?(Assis, 1996:69).
O Capítulo Juramento no poço confirma a questão da manipulação psicológica de Capitu sobre seu amado. Bento está tão atordoado com a ideia que irá se separar dela para estudar num seminário que chega ao seu ápice psicológico a fim de fazer que ambos jurem que irão se casar, e mesmo que um se case, o outro esperaria ou viveria na solteirice. Mesmo sendo contra a ideia de Bentinho virar sacerdote, eles eram muito religiosos, pois juraram em nome de Deus e fizeram do céu sua testemunha.


Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso Senhor que só me casarei com você. Basta isso? (ASSIS, 1996:74).


Bentinho foi para o seminário, durante o tempo em que esteve lá, não parava de pensar na amada, até pediu para José Dias ir para casa ao menos para fazer visita. Quando ele pergunta ao agregado como estava Capitu, nós leitores, vemos mais um momento de desequilíbrio emocional: ela andava pelas ruas alegre e dissera que não iria sossegar enquanto não arrumasse um marido. Isso abala Bentinho e o deixa enlouquecido. É de ser questionado esse comportamento de Capitu, pois se nas vésperas de se afastar de Bento estava tão triste, como agora ela estava andando alegre pela vizinhança e dando a impressão de que estava à procura de um namorado, que sentimentos ela teria de concreto por seu vizinho?


E a alegria de Capitu confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às ave-marias, trocariam flores e... (ASSIS, 1996:94)


Capitu tinha várias emoções, mas ela teve um sentimento que surpreendeu a Bento: ciúmes. Como estava desapontado por Capitu não parecer sentir saudades de seu amado, mas ela sentiu ciúmes de que ele estava tendo uma amizade com Escobar, um amigo que fizera no seminário. Ela fica furiosa com Bentinho ao saber que contou sobre o romance a Escobar. Essa demonstração pode caracterizar o perfil feminino, pois por mais que as mulheres demonstrem seu amor pelo amado, ela não quer que esse sentimento seja motivo de chacota. Elas querem que seja preservado o que sentem e que se cumpra a promessa de guardar segredos. E o narrador de Machado de Assis consegue demonstrar detalhadamente essa emoção.


Não importa, você não tem direito de contar um segredo que não é só seu, mas também meu, e eu não lhe dou licença de dizer nada a pessoa nenhuma (ASSIS, 1996:98).


Uma das características femininas está na solidariedade que elas têm com os outros. No livro, Capitu apresenta esse caráter caridoso, como quando a mãe de Bento fica doente e ela fica ao lado dela incansavelmente, e também há um momento em que uma de suas amigas fica enferma e mais uma vez Capitolina está ao lado. O mais diverso disso é que seu psicológico acompanha exatamente o momento vivido, ela se mostra serena nesses momentos, ao contrário de muitos que foi demonstrado: Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não? (Assis, 1996:119).
Os anos se passaram, Bento estava com 22 anos e era bacharel em direito, o amor entre o casal principal continuava forte, mesmo distante. Escobar se casou com Sancha, a melhor amiga de Capitu. E enfim, Bento e Capitolina reafirmaram seu relacionamento, eles se casaram. Foi uma festa linda e cheia de emoção. Na lua de mel, eles se lembraram dos momentos da adolescência até o momento atual. Todavia, ela estava um tanto distante, disse que era por preocupação pelo pai e pela mãe de Bento. Sendo assim eles voltaram para casa logo. O intrigante disso parecia que ela queria exibir o seu novo status para a sociedade. Capitu estava tão alegre no caminho à cidade, mostrando que não era mais uma menina, era uma mulher casada.


A alegria com que pôs o seu chapéu de casada, e o ar de casada com que me deu a mão para entrar no carro, e o braço para andar na rua, tudo me mostrou que a causa de impaciência de Capitu eram os sinais exteriores do novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava o resto do mundo também (ASSIS, 1996:143).


Como toda mulher, Capitu gostava de se exibir, e nesse enredo ganha um espaço maior os braços da esposa de Bento. Ele não aprovava a exibição, já que nessa época era chamativo mostrar seus braços nus, mas sua mulher gostava de mostrar, ainda mais que era voltada a atenção para seus membros. Essa exibição da parte do corpo mostra a independência que Capitolina tinha em seu modo de pensar, e que se sentia mais bela que as outras e então tinha o direito de mostrar o que tinha de mais belo. Isso mostra a semelhança entre todas as mulheres que gostam de se expor para serem super valorizadas diante das outras: Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que houvesse iguais na cidade.(ASSIS, 1996:145)
O que faz desse romance ser um dos melhores de Machado de Assis e de grande repercussão mundial é a variedade de interpretações que podemos fazer diante das ações de Capitu e dos sentimentos de dúvida de Bento. Ao saber que sua esposa recebe Escobar em casa sem ele saber, a desconfiança começa a surgir, ainda mais que ela fica distraída olhando para o mar. Tudo isso começou como um ciúme pequeno, algo que aparentemente é insignificante, mas mais tarde esse e outros motivos vão contribuir para um grande transtorno.


Venho explicar-lhe que tive tais ciúmes pelo o que podia estar na cabeça de minha mulher, não fora ou acima dela. É sabido que as distrações de uma pessoa podem ser culpadas, metade culpadas, um terço, um quinto, um décimo de culpadas, pois que em matéria de culpa a graduação é infinita (ASSIS, 1996:148).


Uma parte importante que merece ser enfatizada é o nascimento de Ezequiel, o único fruto do amor do casal protagonista. Recebera esse nome para homenagear Escobar, pois era seu primeiro nome. Uma das curiosidades desse filho era como o pequeno era curioso como a mãe e das suas imitações, principalmente quando imitava Escobar e não ao seu pai, problema que geraria uma desconfiança maior sobre a paternidade da criança. Isso também é ressaltado quando Capitu não quer ir com o marido ao teatro porque reclamava de dores. E ainda insistia que ele fosse sozinho. Assim o leitor pode interpretar duas visões sobre a ação de Capitu: de que ela fizera isso, pois queria que o marido estivesse longe por um motivo, ou que ela não queria que ele perdesse o espetáculo por culpa dela. Para Bento, isso lhe pareceu que queria esconder algo.


[...] Confessou-me que apenas tivera uma dor de cabeça de nada, mas agravara o padecimento para que eu fosse divertir-me. Não falava alegre, o que me fez desconfiar que mentia [...] (ASSIS, 1996:156).


Aos poucos percebemos, conforme acompanhamos a leitura, que Capitu estava ficando distante de Bentinho e que esqueceu coisas que tinham grande significado em seu relacionamento. Até Dona Glória sente que o casamento de seu filho não estava bem, a própria nem conseguia tratar bem o único neto que tinha. Mas entre uma crise e outra, o matrimônio ia indo. O que faz crescer a desconfiança e o ciúme de Bento foi quando Escobar morreu. No velório, Capitu fica ao lado da viúva, mas lança um olhar para o corpo de uma maneira que confirmava a dúvida de Bento.


[...] No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas... (ASSIS, 1996:167).


Por mais que Capitu se mostrava egocêntrica, ela tinha um enorme amor pelo seu filho. Quando percebeu que a relação Bento e Ezequiel estava ficando perigosa, ela foi pedir satisfação pela ação que o pai teve com seu filho. Esse ponto que é importante destacar, a mudança de uma mulher que vivia por si mesma e que agora vivia por seu filho. Ela acaba discutindo com seu marido e pede a separação.


Não, Betinho, ou conte o resto, para que eu me defenda, ou peço-lhe desde já a nossa separação: não posso mais!(Assis, 1996:182).


Como fim da participação de Capitu na trama, ela e Ezequiel vão para a Europa e o casamento acaba. Depois de alguns anos Bento recebe a notícia de que Capitolina morrera.
Diante de todo esse estudo, podemos ver que esse romance detalha o psicológico de Capitu, mas não pode mostrar definitivamente se ela cometeu adultério ou não, justamente porque quem conta a nós a história é um dos interessados em apresentar uma verdade: o próprio Bento.
Conseguimos ressaltar outro lado que alimenta mais esse livro e que o torna muito requisitado: a análise psicológica dos personagens, principalmente das mulheres.
Podemos ainda afirmar que esse livro tem grande importância para uma visão que concebe as mulheres não tão perfeitas quanto era a imagem idealizada no romantismo. A mulher tem ambições, defeitos e outros adjetivos como qualquer pessoa.
Essa é apenas uma possibilidade de leitura da obra Dom Casmurro e da personalidade de Capitu. Esperamos que outros leitores também possam partilhar suas visões e riquezas diante de uma construção tão acertada quanto esta que escolhemos para analisar.

REFERÊNCIA

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Objetivo, 1996